Eduarda Schilling Lanfredi

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A BANALIZAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS: UMA ANÁLISE DOS ALIMENTOS TRANSITÓRIOS À LUZ DOS RECENTES JULGADOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Por: Eduarda Schilling Lanfredi

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

            A entidade familiar, considerada o elemento reflexo e estruturante da coletividade, encontra-se, em razão dos avanços sociais, em constante transformação. Uma das mais significativas foi a modificação do desejo do indivíduo perante o núcleo familiar e as consequências desta alteração de papeis e atribuições na seara jurídica.

            No presente trabalho abordaremos, justamente, a forma com que o Poder Judiciário lidou com as novas constituições familiares, tutelando e permitindo que as partes, independentemente do rompimento do vínculo conjugal, permanecessem tendo acesso ao mínimo substancial.

            No caso, iremos expor acerca do instituto dos alimentos transitórios e o modo com estes auxiliaram os consortes, até então dependentes, a se desenvencilharem da relação marital, ante a modificação da função do seio familiar, sem que colocassem em risco a própria subsistência.

            Discorreremos ainda, a partir da análise do recente entendimento adotado pelos Tribunais Superiores, sobre a forma com que esta obrigação vem sendo estipulada e verificaremos, ao fim, se o dever alimentar ainda cumpre com a sua função, qual seja, possibilitar a reabilitação de uma das partes sem onerar excessivamente a outra.

 

A ATUAL APLICAÇÃO DOS ALIMENTOS TRANSITÓRIOS

 

            A família sempre se fez presente perante a sociedade, desempenhando papel determinante e fundamental na forma com que esta se operacionalizava, bem como na maneira com que as relações interpessoais se desenvolviam e se estruturavam. Tratava-se, portanto, da instituição que, por impactar, diretamente, no modo com que os vínculos eram estabelecidos, gerava efeitos reflexos significativos no modus operandi do seio comum.

            Por ser considerada o primeiro modelo de sociedade política existente, ante o caráter de controle e de domínio de sua atuação, restou, inicialmente, por estabelecer relações que encontravam-se permeadas de traços meramente patrimoniais e que eram caracterizadas pela superioridade do genitor frente a figura feminina.

            Isto é, a família, instituída sob a égide da supremacia paterna, era gerenciada e norteada pelo comando masculino, onde o homem era o centro do núcleo e o responsável por prover, gerir e decidir acerca de todas as questões inerentes ao lar conjugal. Nesse passo, à mulher incumbia, única e exclusivamente, cuidar e amparar os membros desta seara; respondendo, portanto, basicamente apenas a internalização do afeto nos sujeitos integrantes deste sistema, principalmente nos infantes decorrentes do vínculo familiar pré constituído.

            Resumidamente, enquanto o homem exercia atividade laboral remunerada, sendo o mantenedor financeiro do lar, a mulher, por ser considerada o referencial afetivo do seio, permanecia apenas cuidando dos filhos e da residência como um todo.

            No entanto, com o advento das mais diversas transformações sociais, a forma de viver e o papel desempenhado pela entidade familiar acabaram sendo consideravelmente modificados.

            No caso, em virtude do desejo latente do indivíduo em se ver e se sentir parte de um núcleo equânime, o modelo patriarcal, vigente até então, abriu espaço para institutos plurais, onde todos os sujeitos se sentiam igualmente valorizados e significados.

            Assim, a atuação dos membros desse contexto foi alterada e passou a se dar de um modo diferente do que estava sendo feito até então, de maneira que o próprio Estado se viu impelido a criar mecanismos que pudessem tutelar e resguardar essa nova formação e condução familiar.

            Ou seja, pelo efeito que as transformações sociais ocasionaram no ambiente familiar, principalmente no que diz respeito ao desconforto gerado na mulher ao vivenciar essa diferenciação excessiva em relação ao homem, os vínculos passaram a serem desfeitos com mais facilidade; de modo que se a parte não se sentisse, efetivamente, amada e significada pelo parceiro, rompia com a relação existente. Até porque, como o próprio papel da família foi modificado ao longo do tempo, transformando-se em um ambiente de amor e um instrumento para a busca da realização pessoal, os vínculos começaram a ser firmados sem qualquer tipo de imposição hierárquica, religiosa ou patrimonial, de forma que se a satisfação não estava mais sendo alcançada conforme desejado, dissolvia-se o liame anteriormente firmado.

            Acontece que, pelo fato da alteração dos papeis familiares ter se dado recentemente, não haveria como o Estado, tendo conhecimento da vulnerabilidade da mulher frente ao homem, ante todo o histórico social pregresso, deixa-la desamparada quando da dissolução da relação. Assim, visando resguardar e reequilibrar a atuação das partes, foi criado o instituto dos alimentos em favor do ex cônjuge ou companheiro.

            Esta obrigação alimentar se embasa, predominantemente, no dever de cuidado e mútua assistência, previsto nos artigos 1.566, III[1] e 1.724[2] do Código Civil, onde as partes, ainda que desprovidas de ligação afetiva, podem auxiliar na subsistência do antigo parceiro e possibilitar que este tenha acesso ao mínimo existente. Se as partes, quando do casamento, cuidavam, zelavam e mantinham uma a outra, porque devem eximir-se dessa responsabilidade após o término?!

            Conforme Leonardo de Farias Beraldo[3]:

O ser humano tem o direito de sobreviver, e é justamente por causa disso que se criou este dever mútuo e legal de se prestar alimentos. Destarte, a sua fundamentação se encontra, especialmente, no princípio da solidariedade, isto é, os laços de parentalidade que unem as pessoas são a fonte da obrigação alimentar. Como bem disso Orlando Gomes “alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”. Essas necessidades à existência da pessoa devem compreender aquelas do ponto de vista físico, intelectual e psíquico, suficientes para colaborar ou cobrir todos os gastos com alimentação, habitação, vestuário, saúde, lazer e, dependendo do caso concreto, até a educação. Esse último item é normal em se tratando de pais e filhos, mas pode se tido como necessidade também entre cônjuges, por exemplo.

            Logo, considerando que a mulher foi a principal afetada pelas evoluções sociais, vendo o seu papel e a sua relevância frente a coletividade transformarem-se drasticamente, lhe foi permitido permanecer sendo beneficiada pelo amparo financeiro do ex companheiro após a separação.

            Se antes as suas atribuições restringiam-se, basicamente, a afazeres domésticos, agora, ao passar a ter voz ativa e assumir um papel de destaque perante a sociedade, imprescindível que o auxílio continuasse presente, a fim de que pudesse se reestruturar e se reorganizar; não haveria como o Estado, se deparando com estas alterações e tendo conhecimento dos empecilhos que seriam enfrentados em face das mesmas, anuir e permitir que a mulher fosse deixada a margem da própria sorte, sem que lhe fosse possibilitada qualquer chance de se equiparar ou até mesmo se aproximar do local ocupado pelo homem.

            Deste modo, com base nos artigos 1.694[4] e 1.704[5], primeira parte do Código Civil, surgiu a figura dos alimentos compensatórios e dos alimentos transitórios. Os alimentos compensatórios têm como finalidade minimizar o desequilíbrio econômico financeiro causado pela ruptura do vínculo conjugal. As partes, quando do relacionamento, conviviam sem qualquer disparidade significativa, no entanto, no momento da separação, ela acaba surgindo em razão do regime de bens escolhido, onde, por exemplo, uma das partes, ante a aquisição patrimonial pregressa, desvincula-se com uma vantagem excessiva em relação a outra, ou quando um dos consortes permanece na posse e administração exclusiva dos bens comuns. [6]

            Assim, para reduzir a brusca alteração do padrão sócio econômico, é fixada a obrigação alimentar como uma forma de indenizar o companheiro afetado substancialmente com o rompimento da ligação afetiva; o seu propósito não é atender as necessidades vitais da parte, mas sim neutralizar os reflexos ocasionados pela separação.

            De acordo com Rolf Madaleno[7]:

O propósito da pensão compensatória ou da compensação econômica é indenizar por algum tempo ou não o desequilíbrio econômico causado pela repentina redução do padrão socioeconômico do cônjuge desprovido de bens e meação, sem pretender a igualdade econômica do casal que desfez sua relação, mas que procura reduzir os efeitos deletérios surgidos da súbita indigência social, causada pela ausência de recursos pessoais, quando todos os ingressos eram mantidos pelo parceiro, mas que deixaram de aportar com o divórcio.

            Já os alimentos transitórios, objeto principal deste estudo, se caracterizam pela finalidade auxiliar, eis que são estabelecidos para atenderem as necessidades do consorte e possibilitarem que este, após a separação, retorne a ter condições de prover a própria subsistência.

            No caso, de acordo com o entendimento de Conrado Paulino da Rosa[8]:

A fixação transitória auxiliará o alimentado por determinado período para garantir sua manutenção frente às dificuldades que enfrentará para sua reinserção no mercado de trabalho, até que possa se requalificar, se atualizar profissionalmente e reorganizar sua vida.

            Dessa maneira, são fixados por prazo determinado, sendo considerado para tanto, o período médio razoável necessário para que a parte, ante as peculiaridades apresentadas, possa se reinserir no mercado de trabalho e voltar a obter proventos financeiros suficientes para gerir a sua manutenção. O seu caráter, diferentemente dos alimentos civis, não é definitivo, visto que estipulado por tempo certo e sabido, de modo que, quando do término do prazo concedido, o devedor, automaticamente, estará exonerado da sua obrigação.

            Aqui, a parte não precisará atestar a modificação do binômio necessidade x possibilidade, tampouco apresentar qualquer outra justificativa, eis que, em regra, o simples transcurso do prazo exime o cônjuge de permanecer integralizando com o dever contraído, a obrigação se extingue por si só.

            Essa modalidade de alimentos se trata daquela que melhor se enquadra aos reflexos ocasionados pelas transformações sociais, anteriormente referidas, já que resguarda o consorte deficitário, mas não imputa encargo excessivo e desproporcional ao outro. Na verdade, impulsiona a parte a capacitar-se e buscar meios alternativos que favoreçam o seu sustento, instigando-a a tornar-se, efetivamente, independente e capaz.

            Possuem, portanto, conforme Dimas Messias de Carvalho[9]:

Um caráter motivador, quando a pessoa tem condições, idade e formação profissional para o trabalho, incentivando o alimentado para que busque efetiva inserção ou reinserção profissional, e não permaneça indefinidamente à sombra do prestador de alimentos, conseguindo seu autossustento e emancipando da tutela do alimentante, outrora provedor do lar.

            Até porque, considerando toda modificação ocorrida nas estruturas familiares, principalmente no papel da mulher frente a sociedade, inexistiriam razões para torná-la uma eterna dependente do antigo parceiro.

            A mulher vem ocupando seu espaço na sociedade, destacando-se pelas atribuições exercidas e conseguindo desvencilhar-se do vínculo conjugal em condições semelhantes ou até mesmo melhores que o companheiro, de modo que não precisa mais pleitear, na proporção que se fazia, a fixação da obrigação alimentar transitória. Isto é, em face da autonomia e da independência da figura feminina, frente as modificações sociais, o pedido desta modalidade de alimentos acabou diminuindo expressivamente nos últimos tempos.

            Assim, conforme Conrado Paulino da Rosa[10]:

 É fato incontroverso que os alimentos entre esposos é direito cada vez mais escasso nas demandas judiciais, especialmente em decorrência da propalada igualdade constitucional dos cônjuges e gêneros sexuais, reservada a pensão alimentícia para casos pontuais de real necessidade de alimentos, quando o cônjuge ou companheiro realmente não dispõe de condições financeiras e tampouco de oportunidade de trabalho, talvez devido à sua idade, ou por conta da sua falta de experiência, assim como faz jus a alimentos quando os filhos ainda são pequenos e dependem da atenção materna.

            Desta maneira, resta claro que os alimentos transitórios, além de possuírem como principal característica a temporariedade, estão sendo fixados cada vez com menos frequência e apenas em situações específicas e determinadas.

            Destaca-se que o próprio Egrégio Superior Tribunal de Justiça, observando a nova realidade existente (vide decisões abaixo arroladas), já consolidou entendimento nesse sentido. No caso, de que a obrigação alimentar será concedida, impreterivelmente, com prazo certo e determinado, salvo situações excepcionais, onde restar demonstrado que a parte demandante encontra-se acometida por enfermidade que a inviabilize de exercer atividade funcional ou que possui idade significativamente avançada para se reinserir no mercado de trabalho.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR PROLONGADA. EXTINÇÃO APÓS A PARTILHA. POSSIBILIDADE. BEM COMUM. USO PARTICULAR. INDENIZAÇÃO. SOLIDARIEDADE. PARENTESCO. NOVO PEDIDO. FACULDADE. 1. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível a fixação indefinida de alimentos a ex-companheira, que está inserida no mercado de trabalho. 2. O fim da relação deve estimular a independência de vidas e não o ócio, pois não constitui garantia material perpétua, razão pela qual o pagamento de alimentos é regra excepcional que desafia interpretação restritiva. 3. A obrigação que perdura por uma década retrata tempo suficiente e razoável para que a alimentanda possa se restabelecer e seguir a vida sem o apoio financeiro do ex-companheiro. 4. Aquele que utiliza exclusivamente o bem comum deve indenizar o outro, proporcionalmente, devendo tal circunstância ser considerada no que tange ao dever de prestação de alimentos. 5. O ordenamento pátrio prevê o dever de solidariedade alimentar decorrente do parentesco (arts. 1.694 e1.695 do Código Civil), facultando-se à alimentanda a possibilidade de formular novo pedido de alimentos direcionado a seus familiares caso necessário. 6. Recurso especial provido. (REsp n.º 1.688.619/MG, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, Julgado em: 02/10/2017)


 
PROCESSUAL CIVIL E ALIMENTOS TRANSITÓRIOS.   AGRAVO INTERNO. INOVAÇÃO, EM SEDE DE AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO RESTABELECENDO O DECIDIDO NA SENTENÇA.  NÃO SIGNIFICA RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA, PARA SUBSTITUIÇÃO DA DECISÃO DESTA CORTE, PELA SENTENÇA. 1. No tocante à tese de que a exoneração da obrigação alimentar deve retroagir à data citação, não comporta nem mesmo exame, pois é bem de ver que cuida-se de patente inovação, visto que, no recurso especial é requerido, expressamente, tão somente o restabelecimento da decisão de  primeira instância - que não previu a exoneração da obrigação, conforme o ora postulado. 2. Entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, desfeitos os laços afetivos e familiares, a obrigação de pagar alimentos é excepcional, de modo que, quando devidos, ostentam, ordinariamente, caráter assistencial e transitório, persistindo apenas pelo prazo necessário e suficiente a propiciar o soerguimento do alimentado, para sua reinserção no mercado  de  trabalho  ou,  de  outra forma, com seu autossustento e autonomia  financeira.  (REsp  1454263/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 08/05/2015) 3. A afirmação de restabelecimento da sentença -  que exonerou o ora recorrente da obrigação alimentar -, evidentemente, não significa a substituição da decisão desta Corte pela sentença. 4.  Agravo interno não provido. (Agravo Interno no REsp n.º 833448/SP, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado em: 27/09/2016)
            Ocorre que, embora a Corte Suprema já tenha solidificado essa questão, uma parte do Poder Judiciário ainda vem apresentando dificuldades de se adaptar a essa nova realidade social e aos novos papeis desempenhados dentro do núcleo familiar, posto que permanece vendo a mulher como um indivíduo vulnerável, merecedor da tutela desmedida jurisdicional, enquanto assimila o homem como a parte capaz de dirimir situações da sua vida sem a participação ou intervenção estatal.
 Ou seja, ao tempo que a mulher, quando do rompimento do vínculo conjugal, faz jus ao recebimento de alimentos, o homem, independentemente da função que exercia no seio familiar, não recebe o mesmo amparo e a mesma proteção legal.
Destaca-se, no entanto, que os alimentos transitórios, conforme mencionado, são fixados, quando do término de um relacionamento, a fim de possibilitar que a parte, por assim dizer “dependente”, possa se reinserir no mercado de trabalho e obter meio para prover o próprio sustento; em momento algum a legislação restringe a concessão deste direito tão somente a figura feminina, de modo que, caso o homem, em razão da mudança de paradigmas, gerenciasse o lar conjugal, quando da relação, pode, sem nenhum empecilho, pleitear a obrigação alimentar no momento da dissolução da união.
Acontece que a jurisprudência dominante, além de não enxergar essa nova modalidade de organização familiar, tende a proteger de modo demasiado e excessivo a mulher e, em contrapartida, diminuir o homem, sem atentar-se, na maioria das vezes, as peculiaridades do caso concreto.
Nos deparamos com situações – raras, mas existentes, de homens  que se dedicaram apenas ao ambiente familiar ou que dependiam da remuneração percebida pela companheira, em razão do caráter ínfimo e insuficiente da sua, que são ceifados no direito de postularem um auxílio temporário a antiga consorte, ainda que demonstrem a existência dos requisitos legais exigidos para tanto. Por sua vez, encontramos casos de mulheres saudáveis, totalmente aptas ao exercício de atividades laborais que são alvo da tutela jurisdicional, sem que façam jus efetivo ao recebimento da obrigação alimentar.
Essas decisões, além de ferirem o entendimento superior, restam por tornar absolutamente inócuo o objetivo dos alimentos transitórios. Essa modalidade, em momento algum, foi criada com o intuito de estimular o ócio, muito pelo contrário, sempre teve como finalidade impulsionar e contribuir na restauração da vida de um dos cônjuges.
 A doutrina e a jurisprudência majoritária entendem que a obrigação alimentar não pode onerar demasiadamente uma das partes, tampouco servir como instrumento de enriquecimento ilícito ou uma espécie de fundo de pensão ou aposentadoria programada para o demandante. O doutrinador Dimas Messias de Carvalho[11], em uma de suas obras, traz um exemplo nesse mesmo sentido.
O Tribunal de Justiça da Paraíba, em julgamento em que foi relator o Des. José Ricardo Porto e causou muita repercussão, decidiu por unanimidade que o marido não é órgão previdenciário, por isso a concessão de alimentos, após a ruptura do matrimônio, deve ser fixada com parcimônia, de modo a impedir que o casamento se torne uma profissão. No caso concreto, os alimentos foram fixados por um período de seis meses para possibilitar à ex esposa, jovem e saudável, exercer atividade remunerada e assegurar a própria subsistência. 
Contudo, ainda nos confrontamos com decisões revestidas de caráter excessivamente protecionista, onde os alimentos pretendidos pelas mulheres são deferidos, ainda que estas possuam plenas condições de retomarem o curso das suas vidas e passarem a prover o próprio sustento. 
Na maioria destes casos a justificativa utilizada se refere a faixa etária que as demandantes se encontram, onde o simples fato de possuírem 40 (quarenta) ou 50 (cinquenta) anos as impossibilitaria, automaticamente, de retornarem ao mercado de trabalho. Todavia, é inquestionável que as mudanças ocorridas nos últimos tempos impactaram até mesmo a idade de atuação profissional das partes; enquanto uma pessoa de meia idade nos anos 80, anos 90 era considerada incapaz de produzir significativamente, posto que se encontrava em processo de aposentadoria; um indivíduo, nos dias de hoje, com a mesma idade é considerado totalmente apto para o exercício de atividades laborais e está no auge do seu desempenho e produtividade. Ressalta-se, inclusive, que algumas empresas optam justamente por pessoas deste grupo etário, em razão da capacidade de contribuição e atuação ser maior e mais diferenciada, em face da experiência adquirida ao longo do tempo.
Além disso, o mercado expandiu e gerou novas oportunidades as pessoas, proporcionando um campo de atuação mais abrangente, sem exigir, necessariamente, uma qualificação específica para tanto; de forma que a reinserção no mercado de trabalho tornou-se muito mais fácil, possibilitando que os consortes, através do surgimento dos mais diversos serviços formais e informais, retornem a gerirem a própria manutenção.
Assim, é um desalento quando encontramos decisões – e diga-se, não são poucas vezes, onde a análise dos elementos trazidos aos autos é feita de modo superficial e os alimentos são concedidos com base em uma situação que era existente tão somente à época da ruptura do relacionamento. 
Essa situação pode ser verificada, por exemplo, no acórdão proferido pela Egrégia 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Aqui, embora o demandado fosse um idoso debilitado e interdito, com evidente vulnerabilidade, e a demandante uma mulher, relativamente mais jovem, saudável e com total aptidão ao exercício de qualquer forma de trabalho, a obrigação alimentar acabou sendo concedida pelo simples fato da autora ter se dedicado ao lar conjugal quando da relação.
Destaca-se que, ainda que o Parquet do Ministério Público tenha, quando da apresentação do seu parecer, sugerido a fixação de alimentos transitórios, ante a plena capacidade da mulher, os Ilustres Desembargadores não observaram tais fatos e entenderam que os alimentos não necessitavam ser fixados com um limite temporal.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INSURGÊNCIA QUANTO ÀS MANIFESTAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESACOLHIMENTO. OMISSÃO QUANTO AO LAPSO TEMPORAL PARA OS ALIMENTOS PROVISÓRIOS. ACOLHIMENTO. Ainda que o Ministério Público atue no processo em análise porque o embargante é interditado, ele possui independência e autonomia para atuar como fiscal da lei e manifestar-se nos autos de acordo com o seu entendimento, ainda que seja desfavorável ao incapaz. Acolhimento dos embargos para sanar a omissão quanto à transitoriedade dos alimentos, e negar provimento ao pedido. Embargos de declaração parcialmente acolhidos. (Embargos de Declaração Nº 70078383932, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 02/08/2018)

Deste modo, situações semelhantes a explanada acima, acabam, ante a inaplicabilidade da temporariedade, gerando uma anuência e um estímulo ao ócio da autora em evidente detrimento ao réu.  Até porque, como a obrigação é concedida sem a fixação de um prazo certo para o seu fim, embora a legislação discipline nesse sentido, o ônus imputado ao demandado também se torna permanente, visto que, no momento em que os alimentos são deferidos, a probabilidade de serem reduzidos ou exonerados é ínfima.
Muito embora o Egrégio Superior Tribunal de Justiça venha se pronunciando a respeito da possibilidade dos alimentos serem dispensados, sem que seja atestada a modificação do binômio necessidade x possibilidade, quando o lapso temporal se mostra significativo, as decisões dos Tribunais, infelizmente, não vem sendo nesse sentido.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO NO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. 1- Os alimentos devidos entre ex-cônjuges serão fixados com termo certo, a depender das circunstâncias fáticas próprias da hipótese sob discussão, assegurando-se, ao alimentado, tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter pelas próprias forças, status social similiar ao período do relacionamento 2 - Serão, no entanto, perenes, nas excepcionais circunstâncias de incapacidade laboral permanente ou, ainda, quando se constatar, a impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho. 3 - Em qualquer uma das hipóteses, sujeitam-se os alimentos à cláusula rebus sic stantibus, podendo os valores serem alterados quando houver variação no binômio necessidade/possibilidade. 4 - Se os alimentos devidos a ex-cônjuge não forem fixados por termo certo, o pedido de desoneração total, ou parcial, poderá dispensar a existência de variação no binômio necessidade/possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por lapso temporal suficiente para que o alimentado revertesse a condição desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos. 5 - Recurso especial provido. (REsp n.º 1.205.408 – RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em: 21/06/2011)

 

            Isto porque, entendem que se a parte demandada não sofreu uma alteração substancial no seu padrão sócio econômico, não haveria razões para retirar um direito internalizado e incorporado pela demandante; ainda mais quando, embora a obrigação tenha sido integralizada por 10 (dez) anos, à data da interposição da ação o consorte credor encontre-se em idade avançada.

            Acontece que dessa forma apenas estaremos imputando ao credor a permanência da prestação de serviço em jornada significativa para que possa cumprir com a obrigação devida e prover o sustento de devedora saudável e com idade capaz de gerar meios para sua subsistência. Se em 10 (dez) anos a parte não conseguiu se reformular e se readequar a sua nova realidade, por, na maioria esmagadora das vezes, total falta de interesse, inexistiriam razões para o consorte permanecer sendo o seu provedor ou vice – versa.

            Assim, é mais do que necessário que o referido pelos doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[12] seja aplicado pelo Poder Judiciário.

Nem pensões volumosas, nem valores ínfimos, podem ser aceitos como padrões de alimentos previamente fixados pelo jurista. É o caso concreto com as suas peculiaridades que deve nortear o juiz (e a juíza!) na fixação dos alimentos. Não se pode tolerar uma paternal condescendência, nem tampouco um extremo rigor, quando for caso de arbitramento alimentar entre cônjuges. Deve o magistrado estar atento ao processo cultural pelo qual passou o casal, seu projeto de vida e o nível de dependência criado, voluntariamente ou não, entre eles.

            As peculiaridades do caso concreto devem ser analisadas com cautela pelo Juízo,  a fim de que seja verificada a forma como o casal vivia, o acordo realizado entre eles, bem como a efetiva necessidade do auxílio financeiro após a dissolução do vínculo conjugal. Não se pode onerar excessivamente uma das partes em detrimento a outra, nenhum dos consortes pode tirar proveito com o término de um projeto de vida a dois, sob pena de banalizarmos e colocarmos fim a um instituto tão benefício, mas que infelizmente vem sendo mal empregado.

            O Poder Judiciário deve permanecer exercendo o seu papel, zelando, cuidando e possibilitando que os indivíduos tenham acesso aquilo que é seu por direito, mas sem adotar uma função protecionista e acreditar que todos façam jus a tutela jurisdicional, a fim de que não percamos algo tão essencial como a obrigação alimentar transitória.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A obrigação alimentar entre cônjuges e companheiros, especificamente os alimentos transitórios, tratam-se do instrumento criado pelo Estado para reequilibrar a situação existente entre homens e mulheres após a alteração de determinados paradigmas e do surgimento de uma nova realidade social.

            A mulher, até então submissa ao comando masculino, diante da modificação do papel da entidade familiar e do reconhecimento da mesma como um ambiente de satisfação e realização pessoal, passou a romper com a relação conjugal, caso não se enxergasse e não se sentisse mais como parte daquele núcleo, e tornar-se um sujeito com voz ativa e representatividade.

            No entanto, como por muito tempo as suas atribuições restringiam-se as cuidado com o lar e com afazeres domésticos, não haveria como sair de um relacionamento, onde o homem era o provedor, sem que recebesse um auxílio para reestruturar-se e reorganizar-se. Assim, surgiu a figura dos alimentos transitórios.

            Ocorre que, ainda que a mulher, felizmente, esteja conseguindo desvencilhar-se do vínculo afetivo em posição semelhante ou até superior a do homem, os alimentos transitórios permanecem sendo fixados de forma desmedida e desproporcional.

            Nos deparamos com situações, onde mulheres jovens, saudáveis e totalmente aptas ao exercício de atividades laborais, são beneficiadas com o recebimento da obrigação alimentar, ainda que não necessitem efetivamente da mesma. E mais, em alguns casos a fixação, além de não atender aos pressupostos exigidos para tanto, se dá em total contrariedade ao disposto em lei, posto que estipulada sem qualquer definição de lapso temporal.

            Dessa forma, percebe-se que o  Poder Judiciário, ainda que tenha como função tutelar pelos direitos e interesses coletivos e individuais, apresenta uma certa dificuldade de se adaptar a essa nova realidade social, onde a mulher, assumiu um lugar de destaque, e tornou-se a responsável pela administração e gestão da própria vida, deixou de ser a parte vulnerável, merecedora da tutela jurisdicional desmedida e incondicionada.

            Assim, um instituto essencial e imprescindível para determinados casos vem sendo banalizado e mal empregado, visto que concedido sem a análise de elementos como a vida pregressa do casal, o acordo de vontade realizado entre eles e a real situação em que se encontram após o término da relação.

            Logo, considerando que umas das partes vem sendo beneficiada indevidamente com a dissolução do casamento/união, enquanto a outra é onerada excessivamente, necessário se faz uma atuação mais pontual e pormenorizada pelo Poder Judiciário. Posto que apenas dessa forma conseguiremos resguardar a obrigação alimentar e possibilitar que os direitos de ser, de viver e de existir dos consortes sejam efetivamente respeitados.

           

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SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Família e Sucessões – 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014;

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume único. Rio de Janeiro: Editora Método, 2013;

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (coords.). Manual de Direito das Famílias e Sucessões – 3ª edição revista e atualizada de acordo com o novo CPC. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2017;

VADE MECCUM. Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

 

 

[1] Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:                                                                                                       I – fidelidade recíproca;                                                                                                                                 II – vida em comum, no domicílio conjugal;                                                                                              III – mútua assistência;                                                                                                                           IV – sustento, guarda e educação dos filhos;                                                                                       V – respeito e consideração mútuos.

[2] Art. 1724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres da lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

[3] BERALDO, Leonardo de Farias, 2017, p. 26, apud, CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Famílias – 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, p. 768.

 

[4] Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

[5] Art. 1.704. Se um dos cônjuges separado judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixado pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

[6] CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Famílias – 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, p. 790 e 792.

[7] MADALENO, Rolf. Direito de Família – 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 1049.

[8] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 399.

[9] CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Famílias – 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, p. 788.

[10] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 398.

[11] CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das Famílias – 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, p. 776.

 

[12] FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. Bahia: Editora Jus Podivm, 2018, p. 752.

 

Eduarda Schilling Lanfredi

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